Categoria: Notícias
Data de publicação: outubro 15, 2021

Entrevista Felipe Villela

Felipe Villela é um jovem brasileiro, residente na Holanda, e cofundador da startup reNature, que tem como missão popularizar a agricultura regenerativa e ajudar produtores e empresas na transição de suas práticas. Formado em agricultura sustentável, ele uniu a experiência familiar na citricultura paulista e no mundo corporativo para ajudar a criar um caminho rumo à produção agrícola em equilíbrio com o meio ambiente e à sociedade.

BioJournal - Quais os princípios da agricultura regenerativa?

Felipe - Os princípios de agricultura regenerativa são diversos, mas o mais importante, antes de detalhar sobre eles, é deixar bem claro que a agricultura regenerativa é baseada em conhecimento e processos. Ela busca a criação da resiliência ambiental, social e econômica para o produtor ter uma produtividade a longo prazo. A agricultura regenerativa visa a criação de um ambiente onde os resultados esperados são muito mais importantes que as práticas individuais. Chegando aos princípios da agricultura regenerativa são eles: cobertura de solo, tanto de espécies de capim como de árvores; a diversificação de culturas – para gerar uma renda a mais para o produtor e melhorar a troca de nutrientes no solo; e plantio direto para evitar compactação no solo e dificultar a infi tração de água. Esses são alguns componentes, mas tem também a questão econômica, se não for economicamente viável, não é regenerativo. E esse ganho econômico vem de cinco fatores: redução de custo com insumos químicos pela diminuição destes; a diversificação de cultura e renda; gap de perda de produtividade proveniente da resiliência climática; preços premium no mercado e PSA (pagamentos de serviços ambientais), como créditos de carbono.

BioJournal - Qual a diferença de agricultura sustentável e regenerativa?

Felipe - A agricultura sustentável tem como objetivo diminuir o impacto negativo, com foco em ser carbono neutro por exemplo, e sustentando os recursos naturais, a biodiversidade e afins. Já a regenerativa promove a melhoria, o aumento do impacto positivo. Assim, nós buscamos, além de diminuir o impacto negativo, otimizar o processo para criar impactos positivos, ser carbono positivo por exemplo, ter um ganho no aumento da biodiversidade. É uma direção na qual se promove o aumento de vida e não somente a recuperação do que foi perdido.

BioJournal - Existe alguma certificação, alguns indicadores que atestem que aquela produção é regenerativa?

Felipe - Sim, temos indicadores definidos para medir nas empresas corporativas com as quais trabalhamos como a Nespresso e Danone, mas quando se fala de certificação ainda está muito no início. As duas principais hoje são a Regenerative Organic Certifi cation (ROC), nos EUA, e Regenagri, da Control Union. A Rainforest Aliance também está desenvolvendo uma certificação, mas tudo está muito no começo ainda. As certificadoras estão se readaptando ao mercado porque as empresas estão indo nessa direção. BioJournal - Quais são os maiores desafios para transformar a agricultura tradicional em regenerativa? É possível fazer isso em grandes culturas comerciais? Felipe - Temos que olhar muito para o contexto de cada produtor, então no nosso trabalho geralmente criamos os arquétipos do produtor. O primeiro passo é esse, e depois é possível desenhar um sistema regenerativo que se enquadre dentro dos indicadores e das necessidades para atender os desafios deles. Por exemplo, um produtor de 900 hectares de café no cerrado mineiro que tem problemas com bicho mineiro, identificamos quais são as espécies que podem trazer o crisopídeo para diminuir essa praga, por meio de um controle natural com plantas, além dos bioinsumos. Trabalhamos, por exemplo, com a Danone na produção de aveia regenerativa, consorciado com a avelã. São árvores no meio de uma produção de grãos, só que com preparação de área suficiente para ser mecanizado, com diversificação de renda a longo prazo e com a criação de um microclima para resiliência climática, além de fornecer mais nutrientes e umidade para o solo. A maioria dos produtores com os quais a gente trabalha, tem apetite de fazer algo diferente, mas também gostaríamos de bater na porta de quem está mais resistente a essa mudança.

BioJournal - Quais os principais ganhos ambientais desse tipo de agricultura?

Felipe - Um deles é o sequestro de carbono, pois é com ele que haverá o ganho econômico mais imediato. Isso porque hoje é o único ativo ambiental que se consegue monetizar e facilmente medir para fazer parte do planejamento estratégico de redução de emissões de GEE (gases de efeito estufa) adotadas por empresas corporativas. Mas, também tem o aumento da biodiversidade, umidade do solo para evitar perdas na produtividade em períodos de seca, elevação do valor nutricional do solo. A agricultura regenerativa permite a mitigação de risco econômico do produtor por conta da resiliência climática criada. Diminuindo custo de insumos, aumentando rentabilidade por hectare por conta da diversificação e criando um ecossistema mais resiliente para uma próspera colheita.

BioJournal - Como os agentes biológicos de controle de pragas e doenças e de melhoria do solo podem contribuir para a agricultura regenerativa?

Felipe - Eu acho fundamental os bioinsumos fazerem parte da transição dos produtores da agricultura tradicional para a regenerativa. Além disso, é importante a compreensão dos papeis das espécies das plantas para se ficar menos dependente de um pacote tecnológico de insumos externos. Quanto mais regional a fonte de nutriente para adubação de solo, mais eficaz

BioJournal - Como os consumidores finais veem os alimentos e fibras produzidos de forma mais responsável? Esse é o caminho para a agricultura regenerativa?

Felipe - Com certeza. Há várias pesquisas mostrando a mudança de mentalidade do consumidor, mesmo ainda sendo nichado para quem tem condições financeiras. Essa agenda é muito forte na Europa onde o preço dos produtos já estão começando a ser quantificados de acordo com o impacto ambiental da origem de suas matérias-primas. Trata-se de uma agenda super política, complexa e que vai demorar, mas eu vejo com bons olhos porque acredito muito que vamos conseguir realmente precificar os produtos com base nos impactos que eles estão gerando, inclusive no Brasil.